sábado, 29 de setembro de 2012

Sera na ruas que as principais mutações no DNA humano irão se manifestar. Peso, tamanho, cor, desejos e perspectivas de futuro são um dos fatores mutantes.

domingo, 2 de outubro de 2011

Se Einstein foi o sintetizador das teorias da relatividade, Rosa foi que conseguiu primeiro descreve-la na vida real.

domingo, 8 de maio de 2011

a ciencia nao explica tudo

São Paulo, segunda-feira, 21 de maio de 2001 


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha    

Texto Anterior | Índice

POLÊMICA

Robert Laughlin faz críticas ao reducionismo

Prêmio Nobel de Física afirma que a ciência não pode explicar tudo
MÓNICA SALOMONE
DO "EL PAÍS"

O físico norte-americano Robert Laughlin, 51, não sabe dizer como certos problemas são resolvidos. "Como as crianças aprendem a falar?" -pergunta. Responde encolhendo os ombros, dando a entender que talvez não haja resposta. Há alguns anos, dois colegas lhe mostraram um desconcertante fenômeno quântico, resultante de um experimento. Ele explicou o que estava acontecendo, e os três levaram o Prêmio Nobel de Física de 1998.
Laughlin é um físico teórico que relaciona áreas tão díspares quanto a do enovelamento de proteínas e a da supercondutividade em altas temperaturas. Atualmente, o cientista se dedica a promover uma idéia que ele sabe que incomoda muitos de seus colegas: a busca de uma teoria do todo, que explique o Universo inteiro, está desviando os físicos "daquilo em que sempre se baseou a ciência -as observações".
Laughlin proclama o "fim da ciência do passado" e defende um novo enfoque, que seja útil para abordar os "inúmeros" problemas ainda sem resposta -incluindo o de como surgiu a vida.
No trabalho que mereceu o Nobel, Laughlin demonstrou, com Horst Störmer e Daniel Tsui, que em determinadas condições elétrons podem formar novos tipos de partículas, cuja carga elétrica seria exatamente de um terço da carga do elétron. É uma descoberta sem utilidade concreta alguma, por ora, a não ser a de "ajudar a entender o mundo".
Laughlin usa essa reflexão para criticar a ciência atual, que ele reconhece estar especialmente interessado em divulgar. "Grande parte da física moderna se baseia em crenças reducionistas, mais do que em feitos experimentais, e isso será muito prejudicial para a ciência a longo prazo", adverte.
O reducionismo se concretiza na busca de um conjunto de equações capazes de descrever todos os fenômenos observados até agora e os que devam ser observados no futuro. "É a encarnação moderna do ideal reducionista dos gregos antigos, uma aproximação com o mundo natural que, para muitos, segue sendo o paradigma central da física", escreveu.
O problema, em sua opinião, é que uma teoria do todo jamais poderá explicar alguns dos problemas mais importantes da ciência atual, que têm a ver com a aparição de propriedades novas em sistemas construídos com um número elevado de partículas.
Muitos exemplos desses sistemas ocorrem na biologia: "Tentar predizer a função das proteínas ou o comportamento do cérebro humano a partir dessas equações é absurdo". Casos desse tipo também ocorrem na física, afirma Laughlin, como a supercondutividade em altas temperaturas, que continua sem explicação.
"É hoje um dos problemas mais importantes, porque a riqueza de seu comportamento sugere a presença de uma nova forma de emergência quântica."
Esses sistemas "são regulados por princípios superiores de organização", sendo invisíveis em escala microscópica -aquela na qual físicos atuais trabalham.
Além disso, como não há uma regra única que descreva esses sistemas, só é possível entender o seu funcionamento "mediante observação e conseguindo que teoria e experimentos dêem as mãos", afirma Laughlin

SER OU ESTAR:

THAT IS THE QUESTION

Paulo Volker

I

No ato terceiro Hamlet já entra dizendo: “Ser ou não ser, eis a questão ! Que é mais nobre para o espírito: sofrer os dardos e setas de um ultrajante fardo, ou tomar armas contra um mar de calamidades para pôr-lhes fim, resistindo?”. Ser ou não ser era o problema do jovem príncipe, mas penso que hoje o problema é ser ou estar, eis a questão.

Vamos tomar o ser como a essência e o estar como a contingência. Vamos imaginar que Hamlet tenha que, por contingência, carregar “ultrajante fardo” (saber que Cláudio matou o seu pai para ter o trono), mas sua consciência, sua vontade, seja de “tomar armas contra um mar de calamidades” ( vingar o assassinato). Essa situação caracteriza a sua dúvida: ser ou não ser ? Para ele, ser significa realizar aquilo que sua consciência e vontade indicam, ou seja, obedecer a orientação dada pelo seu pai, que lhe apareceu como espectro. Mas ele não pode ser. Não pode ainda realizar o que manda a sua consciência. Desta forma, não sendo, passa a estar na corte fingindo de louco.

Vale a pena ler a versão de Shakespeare sobre Hamlet; para quem se coloca a questão do ser e do estar, é uma fonte de muitas reflexões. A partir dela, penso que é possível estar sem ser. O estar se refere à expressão de atributos secundários e contingentes . O ser se refere à expressão de atributos essenciais . Assim, não se deve definir alguém pelo contingente, mas sim pelo que é essencial.

É possível pensar, então, que alguns patenteiam, na vida, seu aspecto circunstancial - são aqueles que estão alguma coisa que não são; enquanto outros, pelo contrário, revelam o seu ser.

No âmbito da educação, me pergunto: Quantas pessoas estão professores agora, na frente de seus alunos, e não são educadores ? Quantos educadores estão em condições limitadoras, com potencialidades importantes embotadas? Quantos educadores estão mergulhados nas suas contingências e atributos menores, deixando de lado suas competências ? Quantos educadores não sabem como se livrar disso ?

Se essas perguntas são pertinentes, vale a pena pensar essa relação entre ser e estar. Vale o risco da reflexão sobre esse problema se, para os leitores, isso contribuir para mais lucidez.

II.

Tudo hoje muda rapidamente. Empresas são criadas para durar seis meses; produtos são produzidos para durar alguns minutos; construções são feitas para serem demolidas daqui a alguns anos. No momento em que o olhar das instituições e, por decorrência, das pessoas, tem o mundo como ponto de vista, passamos a acompanhar cada inovação, cada novidade que surge, tanto em Nova York, quanto em Cingapura. Realizamos “in totem” a idéia da “aldeia global” .

Puxadas pela “revolução permanente” da tecnologia, todas as pessoas são levadas a se integrarem nessa nova forma de ser do mundo. Idéias consideradas perigosas a uns anos atrás, revolução e mudança, passam a ser as palavras de ordem das instituições, que entendem ser impossível sobreviver se não estabelecerem um fluxo permanente de relação com elas. Muda-se a cada nova ondulação do mercado ou da conjuntura, porque uma instituição pode deixar de existir se não se adaptar .

Nesse quadro, todas as pessoas são obrigadas a pensar nas mudanças, a se adaptar a elas, a tentar elucidar o que ocorre e como ocorre. São levadas a pensar em como mudar, como realizar, elas próprias, as revoluções necessárias para entender esse mundo das revoluções.

III

O marxismo é um desses paradigmas que, independente de se concordar ou não com ele, deve ser estudado e refletido. Pode-se abordá-lo de várias maneiras e sua história é a justa medida dessas várias interpretações.

O corpo da obra de Karl Marx foi usado e fragmentado ao bel prazer da política, das modas e das academias, servindo para justificar “gregos e troianos” em ações confessáveis e inconfessáveis pela história afora. Já anunciamos a morte do marxismo, já exumamos o defunto e o devolvemos à terra várias vezes. Muitos que esperavam o “terceiro dia” para a ressurreição se decepcionaram.

Hoje, me impressionam os adágios famosos dos marxistas. Veja este:

“Os filósofos até hoje se limitaram a INTERPRETAR O MUNDO, TRATA-SE DE TRANSFORMÁ-LO”

Podemos dizer que os filósofos até hoje se limitaram a citar a décima-primeira tese contra feuerbach. Trata-se agora de criticá-la. quando, em 1845, Marx escreveu as 11 TESES CONTRA FEUERBACH, fazia sentido convocar todos os pensadores para deixar de interpretar o mundo e tratar de transformá-lo. Afinal, classes sociais haviam se delineado de forma inédita na história, configurando o que os revolucionários entendiam como a grande luta final por uma sociedade mais justa.

A filosofia tinha alcançado a forma mais elaborada possível com o sistema hegeliano e Marx entendia que não cabia mais uma “visada” totalizante e sistemática, ao modo tradicional . Desta forma, o trabalho do filósofo não poderia se ater ao movimento que vai do concreto ao abstrato, a conceituação. Das ruas vinha o chamado pela melodia da ‘Internacional’, que agitava as bandeiras vermelhas dos operários, comandados por uma elite apaixonada por uma utopia secularizada.

Até então, as utopias escatológicas, que diziam do fim da história, para o início de uma nova época, tinham todas um fundamento místico e sagrado. As várias teorias socialistas, onde se inclui o marxismo, racionalizaram a contestação à sociedade, retiraram o sagrado das ações e processos humanos e apontaram o futuro redentor como parte das “leis naturais de desenvolvimento social”.

Marx e outros utópicos (Fourier, Saint-Simon, Owen, Proudhon e Bakunin), que nunca se entenderam, apontavam para uma sociedade justa, onde cada um receberia de acordo com sua necessidade e de acordo com sua produtividade. Uma sociedade sem salários, sem oprimidos, sem miséria; onde as pessoas dedicariam seu tempo, ora para pescar, ora trabalhar, ora ter cultura.

Na época, essas idéias tinham um sentido concreto. Marx as via como uma irreversibilidade histórica, pois os modos de produção se sucediam como as estações do ano e a primavera comunista parecia estar despontando, após o inverno capitalista.

Marx morreu em 1883 e não viu primavera nenhuma e quando Lenin, então na antiga São Petersburgo, formulou as famosas “Teses de Abril” (“todo poder aos Sovietes”), muitos acharam que eram os Bolcheviques as flores que anunciavam a nova estação. E esperaram vê-las também na Hungria de Bela-Khun; na Itália de Gramsci; na Alemanha de Rosa Luxemburgo. Mas não viram nada. A primavera revolucionária não vinha e tempestades negras tomaram os céus dos utópicos contemporâneos.

O totalitarismo, na forma do fascismo, do nazismo e do comunismo se constituíram como um duro golpe para aqueles que esperavam uma idade de ouro para a sociedade. A denúncia dos crimes estalinistas, a partir do XX Congresso do Partido Comunista Russo, em 1956; o reformismo; a retirada do comunismo da pauta imediata dos partidos de esquerda e, finalmente, a denúncia dos estudantes de Paris, em 68, de que os operários foram os últimos a aderir à revolta, acabaram com a utopia da classe revolucionária.

Os filósofos que deixaram de interpretar o mundo para transformá-lo, conseguiram, com certeza, humanizar um pouco o capitalismo, mas não fizeram a revolução que criaria uma nova sociedade . A décima-primeira tese não impõe nenhuma necessidade de se perguntar quem é esse filósofo que deve modificar o mundo; quem é esse que quer mudar o mundo . A história mostrou que uma grande parte dos “revolucionários” eram pessoas extremamente autoritárias, com comportamentos profundamente conservadores e, em certos casos, capazes de massacrar o povo que antes defendiam. O próprio Marx, denunciado por seu pretenso genro, Paul Lafargue, é um exemplo. Outro exemplo é Stálin.

Ou seja, apesar de nomes como Rosa Luxemburgo, Gramsci e Lukács, entre outros, representarem tipos ideais de luta e dedicação, e terem efetivamente participado das lutas operárias em seus países, hoje podemos cobrar a aplicação da décima primeira tese nos próprios filósofos, formulando a seguinte idéia: o filósofo deve, para transformar, ser capaz de se interpretar.

IV

Todos estão no mundo, mas nem todos são no mundo. Estar no mundo, essa condição absolutamente inalienável do homem vivo, diz respeito à presença dos que nasceram, independente do que façam, independente do que são. O escravo e o senhor, o demente e o gênio, o virtuoso e o criminoso são tipos que estão no mundo, como estiveram no passado e, com certeza, estarão. Quando nos referimos ao estar, estamos apontando para essa pura e simples presença de alguém entre os homens.

Ser no mundo, pelo contrário, é uma conquista, um trabalho. É necessário um esforço a mais para ser, já que ser exige ultrapassar o simples estar . E essa ultrapassagem não se dá sem uma revolução. É necessário derrubar, subverter o estado de estar e instituir um novo estado, o estado de ser.

Se falamos de revolução, falamos de marxismo. Repensando, através desse artigo, um pouco da fantástica história do movimento marxista no mundo - com seus lances de absoluta ousadia, capacidade de organização e análise e os momentos de muito sofrimento e terríveis enganos - é possível arriscar dizer que, se as formulações da teoria se mostraram ineficazes em revolucionar as sociedades, me parecem extremamente capazes de revolucionar as pessoas.

Com certeza os epígonos do museu marxista irão arrancar os cabelos com mais essa “revisão”, mas vacinados que estão, depois de tantos “renegados”, de Kautski no final do século XIX, até Castoriadis atualmente, não passaremos de mais um.

Acredito que ninguém poderá negar que a formulação marxista levantada acima (“os filósofos até hoje se limitaram a interpretar o mundo, trata-se de transformá-lo”), foi muito pouco eficaz ao ser aplicada na tentativa de mudar a sociedade, mas poderia ser extremamente útil, se aplicada em cada um de nós.

V

Na cena II do Ato Quinto, Hamlet diz para Laertes: “ Aquilo que fiz, que pudesse irritar pela rudez, vosso bom natural, vossa honra, vossa distinção, aqui declaro, foi ato de loucura. Foi Hamlet quem ultrajou Laertes ? Nunca Hamlet. Se Hamlet estava fora de si e, não sendo ele mesmo, ofende Laertes, não é Hamlet quem faz semelhante coisa: Hamlet a renega. Quem o faz então ? Sua loucura, e sendo assim, Hamlet é da facção ofendida, sendo sua loucura inimiga do pobre Hamlet”. Neste momento é revelada toda a luta do jovem príncipe entre o ser e o não ser, entre ser e estar. Caracterizado como loucura, o estar de Hamlet, ele diz, não é ele, se expressa por conta própria, contra ele.

Quantos estarão vivendo essa loucura ? Penso que Marx se insurgiu contra ela, a loucura da exploração do homem pelo homem, que, para ele, era uma circunstância da sociedade capitalista. Para ele, a liberdade era a verdadeira essência da sociedade, que o capitalismo, uma circunstância histórica, impedia de se revelar.

Esse ideal de mudar a sociedade foi por terra. É mais fácil resolver um problema na corte, como revela Shakespeare em Hamlet, do que revolucionar a estrutura da sociedade. Muito dos problemas do marxismo diz respeito à simplificação do que é a estrutura do social. Não basta um grupo tomar o poder do Estado. Se as pessoas continuam as mesmas, não haverá possibilidade de organizar uma nova sociedade.

O marxismo, em muito da sua teoria ou das suas teorias, será muito útil para a modificação das pessoas. A dialética entre o ser e o estar, com certeza, deverá ser muito melhor elucidada por uma teoria materialista dialética da história da pessoa na sociedade. Ou seja, uma teoria que tenha como base o que as pessoas efetivamente fazem, como constróem concretamente suas vidas. Um fazer sempre contraditório, onde a essência e contingência se alternam no contexto das várias relações com outras pessoas.

Os educadores deveriam estudar o marxismo. Agora que sabemos que a aventura de voluntários a salvadores da sociedade não dá resultado positivo, podemos reler Marx como um pensador preocupado com o homem e suas contradições. Deveríamos ler, além da décima-primeira tese contra FEUERBACH, a terceira. Ela diz: “A doutrina materialista sobre a mudança das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Deve por isso separar a sociedade em duas partes - uma das quais é colocada acima da outra. A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como praxis revolucionária”.

A praxis revolucionária foi o que Hamlet fez para fugir da sua loucura; é o que todos deveriam fazer para estabelecer uma nova relação entre ser e não ser, ser e estar. Esta é a questão.

- - - - - -

BIBLIOGRAFIA

Shakespeare, W. Obras completas. Editora Abril. 1978.

Marx, K. Os Pensadores. Editora Abril. 1978.

Horbsbawn. E. História do Marxismo. Ed. Paz e Terra. 1980

Maclallen, D. História do Marxismo. Ed. Paz e Terra. 1990

quinta-feira, 23 de julho de 2009

ERROS NA MEDICAÇÃO E CONSEQÜÊNCIAS PARA PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM E CLIENTES: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO


ERROS NA MEDICAÇÃO E CONSEQÜÊNCIAS PARA PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM E CLIENTES: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

Viviane Tosta de Carvalho1
Silvia Helena De Bortoli Cassiani2

INTRODUÇÃO

Os medicamentos administrados erroneamente podem afetar os pacientes, e suas conseqüências podem causar prejuízos/danos, reações adversas, lesões temporárias, permanentes e até a morte do paciente, dependendo da gravidade da ocorrência.

Lesões não intencionais associadas à terapia medicamentosa têm afetado 1,3 milhões de pessoas por ano nos Estados Unidos da América e o custo relacionado à hospitalização do paciente devido ao efeito adverso chega a atingir, anualmente, 76,6 bilhões de dólares(1).

Importa ressaltar que, nos Estados Unidos da América, o número de pacientes atingidos anualmente, representa um montante de 60.000 a 140.000 pacientes. Destes, 31% vivenciam um evento adverso de medicação durante a hospitalização, e 0,31% destes apresentam eventos adversos fatais(2).

A classificação da severidade dos erros de medicação foi realizada por diversos autores(3-4) que avaliaram a gravidade do erro, segundo a necessidade de intervenções médicas, realização de tratamentos cirúrgicos e intervenções de enfermagem.

Muitas vezes, os erros de medicação só são detectados quando as conseqüências são clinicamente manifestadas pelo paciente, tais como a presença de sintomas ou reações adversas após algum tempo em que foi ministrada a medicação, alertando o profissional do erro cometido. Os profissionais de enfermagem deveriam estar alerta e, após administrada a medicação, esta deve ser documentada imediatamente no registro do paciente, possibilitando rapidamente a descoberta do erro pelo enfermeiro e a realização de intervenções que podem minimizar ou prevenir possíveis complicações ou conseqüências mais graves.

Infelizmente, as dificuldades para os relatos dos erros prejudicam a avaliação dos tipos e do número de erros registrados e, conseqüentemente, não é documentado o número real de erros ocorridos. O número de erros relatados nas instituições hospitalares representa apenas a ponta do iceberg, já que somente são informados quando há algum dano ao paciente. Apenas 25% dos erros são relatados pelos profissionais(5). O medo de punições, demissão, o sentimento de culpa e as preocupações com a gravidade do erro podem levar os indivíduos envolvidos a sub-notificarem o erro. As penalidades ao profissional envolvido variam conforme a gravidade das lesões corporais causadas ao paciente e o tipo de conseqüência. Os profissionais podem sofrer processos judiciais por negligência, imprudência, má prática, e ficar sob julgamento da legislação civil, penal e ética.

Os erros freqüentemente não são relatados devido ao medo das medidas administrativas que podem ser aplicadas ao profissional envolvido, de acordo com a gravidade do erro cometido.Concluiu-se que 29% dos erros de medicação ocorridos não foram relatados pelos enfermeiros devido ao medo das conseqüências punitivas, com as quais se procura cercear o relato espontâneo do erro(6).

Buscando identificar esse aspecto na realidade nacional, esse estudo foi planejado com o objetivo de identificar e analisar as conseqüências dos erros de medicação para o paciente e para os profissionais de enfermagem.

Pretendeu-se enfocar os aspectos relativos aos erros na medicação em uma instituição hospitalar, privilegiando, através dos relatos de profissionais de enfermagem, as possíveis conseqüências de erros cometidos ou conhecidos.

METODOLOGIA

O estudo foi realizado em um hospital universitário do Estado de São Paulo.

A população em estudo e atuante no setor era composta por 10 enfermeiros, 4 técnicos e 46 auxiliares de enfermagem. Foram excluídos os enfermeiros que estavam em cargo de chefia.

A amostra ficou constituída por 7 enfermeiros, 1 técnico de enfermagem e 23 auxiliares de enfermagem, sendo que, do total de enfermeiros, 1 estava em licença saúde, 1 recusou-se participar do estudo e 1 relato foi inválido. Do total de 46 auxiliares de enfermagem alocados, 11 recusaram-se a participar do estudo, 1 estava em licença saúde, 1 tinha sido demitido, 1 havia sido transferido para outro setor. Do total de 32 auxiliares de enfermagem entrevistados, 8 não recordaram nenhum fato e 1 apresentou relato inválido. Relatos inválidos foram considerados aqueles relatos vagos, imprecisos e incompletos, que não apresentavam as conseqüências dos erros tanto para pacientes como para profissionais de enfermagem.

Dos 4 técnicos entrevistados: 1 não recordou nenhum fato, 1 recusou participação e 2 forneceram relatos inválidos. Assim foram realizadas 31 entrevistas com 46 relatos de erros ocorridos e válidos. Relatos válidos foram considerados aqueles relatos completos e precisos sobre os erros ocorridos. Há de considerar que, em alguns casos, obteve-se mais de um relato por entrevista.

A técnica do incidente crítico consiste de um conjunto de procedimentos para a coleta de observações diretas do comportamento humano, de modo a facilitar sua utilização potencial na solução de problemas práticos e no desenvolvimento de amplos princípios psicológicos, delineando, também, procedimentos para a coleta de incidentes observados, que apresentam significado especial, e para o encontro de critérios sistematicamente definidos". O autor ainda define incidente como "qualquer atividade humana observável que seja suficientemente completa em si mesma para permitir inferências e previsões a respeito da pessoa que executa o ato"(7).

Portanto, o incidente crítico prevê a análise de uma ocorrência crítica que marcou as pessoas. Neste estudo, utilizamos uma adaptação da técnica do incidente crítico, já que foram abordados somente os aspectos negativos.

O instrumento de coleta de dados constou de um roteiro de entrevista para obtenção de relatos de erros ocorridos na medicação, de acordo com o objetivo do estudo. O instrumento foi submetido a um pré teste com uma enfermeira mestranda, atuante em um hospital, um técnico de enfermagem e um auxiliar de enfermagem, atuantes no hospital em estudo, porém em outro setor.

A coleta de dados foi realizada nos meses de agosto e setembro de 1999, após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital em questão e o consentimento da divisão e diretoria de enfermagem da unidade.

Após o consentimento informado dos participantes do estudo, as entrevistas foram realizadas na própria instituição hospitalar, durante o período de trabalho e transcorreu, em média, de 15 a 30 minutos. A questão abordada foi: "Pense em alguma coisa negativa que ocorreu na administração de medicamentos recentemente, com pacientes da sua unidade. Pense em uma ocorrência que lhe chamou a atenção e resultou em um erro na medicação. Conte-me quais foram as conseqüências para o paciente e para o profissional".

As entrevistas foram gravadas em fita cassete e transcritas na íntegra, imediatamente após o seu término. Foi mantido o anonimato dos entrevistados.

Após a coleta dos dados, iniciou-se a análise das entrevistas, procedendo-se à leitura dos relatos e identificação e análise das conseqüências. CONSEQÜÊNCIA foi definida como o resultado do erro na medicação para o paciente e para o profissional envolvido.

RESULTADOS

As conseqüências dos erros foram classificadas segundo a pessoa afetada (pacientes e profissionais de enfermagem) e segundo o momento de sua ocorrência (até 24 horas e após esse período). Formaram-se assim quatro grupos de análise, a saber:

a) conseqüências para os pacientes nas primeiras 24 horas;

b) conseqüências para os profissionais de enfermagem nas primeiras 24 horas;

c) conseqüências tardias para os pacientes;

d) conseqüências tardias para os profissionais de enfermagem.

A Tabela analisa o primeiro desses quatro grupos, as Conseqüências para os pacientes nas primeiras 24 horas (48), relatadas pelos profissionais de enfermagem, agrupadas em 3 categorias:

1. Nenhuma reação ao erro- Nessa categoria foram incluídos 28 relatos, que indicavam que os pacientes não sofreram nenhuma reação adversa ao erro de medicação.

2. Alterações das condições gerais - Nessa categoria foram incluídos 15 relatos relacionados às alterações que causaram danos ou prejuízos temporários aos pacientes, divididos em: alterações das condições da pele (04)- presença de hematoma, edema, hiperemia do local, necrose tecidual; alterações dos níveis glicêmicos- hipoglicemia (04); alterações respiratórias - dispnéia (03); alterações cardiovasculares- taquicardia (02); alterações renais- diminuição da diurese e aumento do edema (01); alteração da rede venosa (01).

3. Outras - Estiveram incluídas: dor, infecção generalizada e parada respiratória. Em 03 relatos, o paciente apresentou dor devido ao erro, em 1 relato o paciente apresentou septicemia nas primeiras 24 horas seguidas ao erro de medicação, e, em 1 relato, o paciente recebeu a medicação errada (psicotrópico) e sofreu uma parada respiratória seguida por atendimento de urgência.

A Tabela analisa as conseqüências dos erros para os profissionais de enfermagem nas primeiras 24 horas, demonstrando o aumento do tempo dispendido pela equipe de enfermagem para a reversão do quadro, devido ao erro cometido e à necessidade de realização de intervenções extras pela equipe de enfermagem.

As conseqüências para os profissionais de enfermagem nas primeiras 24 horas (46), estão agrupadas na categoria: Intervenções de enfermagem segundo a prescrição médica. Entende-se por intervenções ou tratamentos a solicitação de procedimentos extras para reverter o quadro apresentado pelo paciente frente ao erro nessa categoria, foram incluídos 46 relatos assim descritos: verificação dos sinais vitais (10), interrupção da infusão endovenosa (7), administração de medicamentos extras por ordem médica (6), troca da punção venosa em quimioterapia (4), solicitação de exames extras (4), observação de enfermagem quanto a sinais de hipoglicemia e do local de infiltração de quimioterapia (3), procedimentos de dessensibilização do local de infiltração de quimioterapia (2), aplicação de gelo no local de infiltração de quimioterapia (2). Com algumas ocorrências apareceu irrigação da veia com soro fisiológico, manutenção de repouso no leito, realização de lavagem gástrica, revisão do gotejamento com reprogramação da bomba de infusão endovenosa, oxigenoterapia, administração de líquidos via oral com açúcar, nova prescrição e atendimento de urgência.

A Tabela 3 apresenta as conseqüências dos erros para os pacientes, após as primeiras 24 horas.

As Conseqüências tardias para os pacientes relatadas pelos profissionais de enfermagem foram agrupados em 4 categorias discriminadas abaixo:

1. Evolução e alta em boas condições gerais - Nessa categoria, obteve-se um total de 5 relatos, nos quais os pacientes evoluíram e tiveram alta em boas condições gerais.

2. Evolução e alta com presença de lesões - Nessa categoria, foram incluídos três relatos: em 1 relato o paciente teve necrose tecidual, realizou debridamento da região necrosada e obteve alta com presença de curativos no dorso da mão; o paciente teve alta com a presença de hematoma (1); o paciente teve alta com seguimento ambulatorial, devido à absorção gástrica de uma parte da quimioterapia administrada (1).

3. Hospitalização prolongada - Em três relatos os pacientes tiveram aumento no tempo de estada no hospital: o paciente que absorveu parte do quimioterápico e os dois pacientes que apresentaram hipoglicemia.

4. Óbito - Em dois relatos, ocorreu o óbito do paciente. Em um relato, o paciente apresentou infecção generalizada nas primeiras 24 horas e, após esse período, foi a óbito e, no outro relato, o paciente apresentou piora do estado geral, com alterações renais nas primeiras 24 horas e foi a óbito após 15 dias da ocorrência do erro, segundo informações dos profissionais.

Não obstante, afirmar que a morte dos pacientes foi devida ao erro de medicação, já que investigações mais completas, conhecimento do histórico, do diagnóstico do paciente, dados de exames laboratoriais e prognóstico do mesmo comparados ao erro ocorrido deveriam ser avaliados pela equipe médica e de enfermagem, para afirmar a relação entre o erro e o óbito.

As conseqüências tardias para os profissionais de enfermagem, extraídas dos relatos, bem como a freqüência com que ocorreram estão indicadas na Tabela 4.

Assim, as Conseqüências tardias para os profissionais de enfermagem estão agrupadas em 5 categorias, a seguir:

1. Advertência verbal - Realizada tanto pelo enfermeiro como pela diretoria de enfermagem. Nessa categoria, foram incluídos dezessete relatos.

2. Notificação da ocorrência - Nessa categoria, foram incluídos doze relatos em que os profissionais de enfermagem receberam um relatório seguido de advertência escrita, realizado pelo enfermeiro e diretoria da enfermagem.

3. Orientação - Nessa categoria, em onze relatos ocorreu apenas a orientação do funcionário pelo enfermeiro.

4. Advertência escrita - Em quatro relatos, o enfermeiro fez advertência por escrito para o profissional envolvido.

5. Demissão - Em dois relatos, ocorreu a demissão do profissional de enfermagem.

As medidas administrativas tomadas com a maioria dos profissionais envolvidos, segundo seus próprios relatos, foram: 1. advertência verbal, 2. notificação da ocorrência; 3.orientação; 4. advertência escrita e 5. demissão. O relatório não foi visto como forma de registro do erro, mas, sim, como uma penalidade a que os profissionais são expostos por terem cometido o erro.

Fica-se evidente que as medidas tomadas pela chefia são, na maioria, relatos de caráter punitivo. No entanto, tal medida pode acarretar subnotificações e diminuição dos relatos voluntários dos erros de medicação.

A chefia adota essa posição, na esperança de que os profissionais não cometam mais erros de medicação. É o que se depreende deste relato:

Você não deixa de fazer nada, mesmo que seja uma orientação verbal, eles têm que estar cientes do que eles fizeram, eu oriento verbalmente num primeiro atenuante, no segundo eu oriento por escrito e num grave até suspensão, é feita uma punição sim, não é passado em branco... (E.2).

Na elaboração do relatório, o funcionário é chamado para relatar quando, como e por que o erro ocorreu; é anotado o dia, a hora, o período do plantão; a assinatura do funcionário consta no final da descrição. A elaboração da notificação do erro, para muitos funcionários, já constitui uma penalidade.

Ressalta-se que o relato dos erros na medicação, a fim de que haja intervenções, deve ser enfatizado nas instituições, e que os mesmos devem ser avaliados e incorporados em um programa de melhoria contínua da qualidade(8).

Os relatos dos erros de medicação não devem ser vistos com esse propósito punitivo, mas como dados que permitam o desenvolvimento de ações educacionais e administrativas.

Na ocorrência de um erro na medicação, freqüentemente, não é dada ênfase na educação, mas, sim, na punição, lembrando que isso, ao invés de ajudar a prevenir, faz com que, cada vez menos, os erros sejam relatados, prejudicando o conhecimento de seus fatores de risco e possibilitando, assim, sua repetição(9).

DISCUSSÃO

Fornecer um ambiente seguro para a administração de medicamentos envolve um grande número de recursos, tanto físico (luminosidade, controle de temperatura, barulho, interrupções pessoais ou por telefone) como humanos (deficiência de conhecimentos, anos de experiência). Entretanto, tais condições não isentam os profissionais da responsabilidade exigida pelos danos que praticam.

É o dano sofrido pelo paciente que determinará a existência real do erro. O nexo causal estabelecido entre a causa (ato) e o dano, é condição indispensável para a comprovação dos fatos e para a determinação do grau da pena e indenizações em processos jurídicos, podendo comportar ações civis e penais(10).

Somente ao se identificarem os erros sistemáticos, é que o número real de erro pode ser reduzido. Para a autora, ações punitivas incutem o medo e a decepção e não têm lugar na prática atual. A autora salienta que ênfase na educação faz-se necessária para a modificação da prática atual(11).

A necessidade de educação profissional através da educação continuada, cursos de reciclagem ou treinamentos periódicos na administração de medicamentos é enfatizada para nós, pois, assim, os profissionais assumirão a parcela da responsabilidade que a profissão lhes confere, sem apresentar reações de medo perante o erro.

Temos consciência da dificuldade para a implementação e confecção de tais relatórios; entretanto, os responsáveis não podem esquivar-se de registrá-los, servindo como amparo legal na instalação de um processo ético, civil ou penal.

A crença vigente entre os administradores é a de que os erros são puramente responsabilidade dos indivíduos envolvidos, negando qualquer responsabilidade administrativa ou da instituição(8). Entretanto os erros representam um sistema "doente", e raramente o indivíduo é a única causa de um erro na medicação. Há de se avaliar o sistema e permitir que se evitem falhas.

Há a necessidade crescente da verificação das causas, índices e conseqüências dos erros na medicação, por parte das instituições hospitalares, uma vez que as taxas de erros na medicação representam matéria - prima para inúmeras investigações e constituem-se em indicadores para a melhoria do sistema hospitalar e da qualidade de assistência. Ainda, disseminar uma cultura de segurança que a inclua na medicação deve ser meta das instituições.

CONCLUSÃO

Por meio dos dados obtidos, foram identificadas as conseqüências dos erros de medicação ao profissional envolvido. Destaca-se que os relatórios foram vistos como ações punitivas, o que prejudica, sem dúvida, o relato voluntário e espontâneo ao se decidir por documentar ou não o erro.

É importante ressaltar a importância do ato de comunicar e documentar o erro de medicação e o benefício que esse ato pode trazer aos pacientes, amenizando os efeitos apresentados e impedindo o agravamento da suas condições físicas. As medidas administrativas tomadas deveriam enfatizar o relato correto como forma de registro para o hospital e como proteção legal, caso ocorra a licitação de um processo ético ou jurídico.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo recurso financeiro concedido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Allen EL, Barker KN, Cohen MR. Draft guidelines on preventable medication errors. Am J Hosp Pharm 1992 Mar; 49(3):640-8.        [ Links ]

2. Classen DC, Pestotnik SL, Evans SR, Burke JP. Adverse drug events in hospitalized patients. JAMA 1997; 277(4):301-6.        [ Links ]

3. Cobb MD. Evaluating medication errors. J Nurs Adm 1986 Apr; 16(4):41-4.        [ Links ]

4. Ernest MA. A judgment of errors. Nurs Times 1991 Apr; 87(14):26-30.        [ Links ]

5. Hackel R, Butt L, Banister G. How nurses perceived medication errors. Nurs Manage 1996; 27(1):31-4.        [ Links ]

6. Barker KN, Mikeal RL, Pearson RE, Illig NA, Morse ML. Medication errors in nursing homes and small hospitals. Am J Hosp Pharm 1982 Jun; 39:987-91.        [ Links ]

7. Flanagan JC. A técnica do incidente crítico. Arq Bras Psicol Apl 1973 Abr/Jun; 21(5):99-141.        [ Links ]

8. Cassiani SHB. Um salto para o futuro no ensino da administração de medicamento: desenvolvimento de um programa instrucional auxiliado pelo computador. [tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1998.        [ Links ]

9. Cohen MR. Banish a system that blames. Nursing 1996; 26(1):15.        [ Links ]

10. Gomes JCM. Erro médico: reflexões. Bioética 1994; 2(2):139-46.        [ Links ]

11. Pepper GA. Errors in drug administration by nurses. Am J Health Syst Pharm 1995; 52(15):390-5.        [ Links ]

Recebido em: 9.5.2000
Aprovado em: 22.4.2002

1 Enfermeira, Mestre, Resumo da dissertação de mestrado; 2 Orientadora do estudo, Professor Associado, e-mail: shbcassi@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

Revista Latino-Americana de Enfermagem - Preto July/aug. 2002

A MALDIÇÃO DO FARAÓ

Paulo Volker

 

image

Enquanto as poderosas autoridades internacionais gastam a tecnologia bélica para eliminar supostos terroristas nas favelas cavernosas do Afeganistão, definindo o terrorismo como a praga desse novo milênio; enquanto as redes de Tv brasileiras fazem do voyeurismo a mais nova mania nacional; enquanto os ardilosos marqueteiros políticos tramam um modo de manter tudo como sempre foi no governo; enquanto a polícia ensaia um balé de truculência e representação cinematográfica contra a violência e a bandidagem, colocando tecnologias bélicas e digitais contra os prováveis meliantes escondidos nas favelas, uma nuvem verdadeiramente espetacular recorrentemente insiste em atacar o Brasil.

Essa nuvem negra, que já atinge um terço da humanidade, quase dois bilhões de pessoas, é formada por um ínfimo e desprezível indivíduo chamado Aedes aegypti. Natural lá dos confins ancestrais do Nilo, o mosquito vem derrubar a idéia Hollywoodiana de que a “Maldição do Faraó” vem em forma de múmias terríveis, vestidas de areias escaldantes, comandando um exército infinito de escaravelhos.

image

Tudo bobagem. A maldição, para todos nós, que violamos o segredo das pirâmides, seja roubando pedaços da cultura egípcia, seja levando ataúdes para os museus, seja através das câmeras da National Geográfica, se faz presente no pratinho que recebe a água que escorre das nossas lindas margaridas ou na poça de água acumulada naquele velho pneu que guardamos no fundo do quintal.

O Faraó não poderia ter sido mais inteligente na sua maldição. Enquanto todas as fronteiras se protegiam das múmias e outros monstros terríveis, capazes de fazerem jus a toda tecnologia destrutiva de mísseis, bombas e balas de fragmentação, a sabedoria milenar dos egípcios nos manda um reles mosquito, fantasiado de pernilongo, caracterizado pelo capricho tebano de só gostar de água limpa.

Desta forma, encontra o mosquito, nas cidades desses mundos abaixo do segundo andar na escala civilizatória, campo fértil para proliferar e promover dores e febres, fazendo com que todos repitam e digam “Egito” novamente. Desta forma, enquanto o primeiro e o segundo mundo montam o teatro da sua sana prepotente, destruindo o já destruído, o terceiro, quarto e quinto mundos, sob a égide do “Aedes aegypti”, tremem com a doença.

Mesmo que os centros especializados de estudo e pesquisas, como o conceituado CDC do Departamento de Saúde dos EUA e outros centros brasileiros façam uma história já longa da Dengue, não podemos deixar de reconhecer a gravidade do sempre acontece nas cidades brasileiras.

O primeiro caso relatado, na ilha de Java, em 1779 e o de 1782 em Cuba devem indicar apenas um momento de maior apuração científica para a presença de um mosquito que existe há muito tempo.

A presença do mosquito no Brasil, em 1846 só anunciava a epidemia que iria acontecer em 1986 no Rio, que era uma preliminar da de 2002, que vem sendo apenas uma prévia do vem recorrentemente acontecendo nas cidades brasileiras, onde o sistema de vigilância epidemiológica é precário. Uma presença que anuncia muitas coisas e denuncia outras tantas.

Anuncia que o problema urbano brasileiro e mundial será desmoronado por seres insignificantes, como mosquitos, ratos e baratas, entre outros (talvez muito mais insignificantes do que imaginávamos, com essa pandemia de gripe); denunciam que nossas cidades e nossas casas são freqüentadas também por esses indivíduos que, talvez, sejam muito mais adaptados e domésticos do que possamos imaginar.

E nessa convivência íntima com esses indivíduos, representantes de várias nacionalidades, com idades que se perdem no tempo, somos nós, os humanos, os mais frágeis, inadaptados e sofredores.

O Aedes aegypti, por exemplo, quando nos visita de noite, nos deixa sete dias à beira da morte. Mas nosso inseticida e nossos larvicidas não conseguem acabar com a presença ostensiva desse súdito do Faraó.

Um fato, em meio de tantas desgraças, é relevante. A “Maldição do Faraó” não faz distinção de classes sociais. Com essa mania tebana de limpeza, o mosquito encontra berço em piscinas, banheiras de hidromassagem e jarras de cristal, dessas usadas para tornar a Don Perigon deliciosa – tudo usado no fim de semana e deixado depois ao leu.

BIOÉTICA – UM ENSAIO SOBRE SUA INSERÇÃO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM ¹

Joice Maria Zanatta², Magali Roseira Boemer³

A proposta deste estudo foi realizar um ensaio com vistas à uma aproximação ao tema da Bioética. As autoras justificam o estudo, explicitando sua preocupação quanto ao preparo dos graduandos em enfermagem no seu lidar cotidiano com os dilemas bioéticos. Propõem a articulação dos conteúdos teóricos com as situações vivenciais dos estágios e com as demais disciplinas ministradas.

Para tanto foi realizada uma extensa revisão da literatura incluindo livros, artigos, dissertações e teses que abordam o tema da Bioética. Foi possível resgatar a gênese da Bioética no Programa Internacional e Nacional. Algumas publicações de enfermeiros foram encontradas.

Nos primórdios da cultura ocidental, a Ética foi a primeira preocupação que motivou a reflexão sobre as relações da humanidade. Desde os períodos mais arcaicos da civilização grega, as manifestações dessa reflexão inseriam-se na preocupação com a busca de significado da vida humana. Neste contexto, a Ética consiste no discernimento para encontrar, entre todos os interesses do indivíduo, do grupo, da nação e da humanidade, o critério de justa escolha. Ela não pode ser separada da experiência efetiva dos valores (SILVA, 1993).

Já a Bioética, ou ética aplicada à vida, surgiu nos Estados Unidos. Esta palavra foi, primeiramente, forjada por Van Rensselaer Potter, em 1971, mas o termo foi introduzido por André Hellegers. Potter imprimiu a ela um sentido ecológico: "ciência da sobrevivência". Já Hellegers restringe-a como ética das ciências da vida, particularmente considerada em nível do humano. Foi no plano de aplicação das biotecnologias ao homem, no domínio das ciências médicas que a bioética floresceu, em um ambiente marcado por grandes evoluções e sentimentos contraditórios. Ela emerge como novo domínio da reflexão e da prática, que toma como seu objeto específico as questões humanas na sua dimensão ética, tal como se formula no âmbito da prática clínica ou da investigação científica, e como método próprio a aplicação de sistemas éticos já estabelecidos ou de teorias a estruturar (NEVES, 1996).

A Bioética, inicialmente conceituada por Potter para referir-se à importância das ciências biológicas na melhoria da qualidade de vida, hoje é considerada como "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e aos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é encaminhada à luz de valores e princípios morais" (CLOTET, 1993).

A bioética, na atualidade, ocupa-se, principalmente, dos problemas éticos referentes ao início e fim da vida humana, dos novos métodos de fecundação, da seleção de sexo, da engenharia genética, da maternidade substitutiva, das pesquisas em seres humanos, do transplante de órgãos, dos pacientes terminais, das formas de eutanásia, entre outros temas. Os princípios da bioética, segundo Clotet, (1993) são: princípio da autonomia (é a autodeterminação real e universal do homem, independência da vontade, escolha individual); princípio da beneficência (ação voltada para o benefício do ser humano) e o princípio da justiça (tratar os iguais como iguais e os diferentes como diferentes na justa medida da sua desigualdade, reconhecer igualmente, sem distinção, o direito de cada um).

O termo Bioética é definido pela International Association of Bioethics, como: "estudos dos aspectos éticos, sociais, legais, filosóficos e outros aspectos afins inerentes à assistência médica e às ciências biológicas" (CAMPBELL, 2000).

Em 1995, a Bioética é definida, pela segunda Edição da Ecyclopedia of Bioethics, como sendo o “estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisão e normas morais - das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar” (PESSINI e BARCHIFONTAINE, 1994). Surge no panorama científico das novas descobertas como o estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo avanço biomédico, pela nova direção dada na sociedade e seu sistema de valores, prevalecendo a imprescindível proteção da vida humana diante de todas as inovações técnico-científicas na área das ciências da vida.

De acordo com Lenoir (1996), a Bioética visa alertar as sociedades a respeito das conseqüências do avanço técnico-científico incontrolado e promover uma forma de controle democrático do processo de inovação técnico-científico. Essa autora lembra que o ensino da bioética aos profissionais de saúde deve ser provido de um caráter preciso e não limitar-se à reflexão geral de princípios; deve ser concebido como resultado da cultura geral do século XXI, permitindo a todos exercer suas responsabilidades próprias diante das novas situações provenientes do avanço das ciências da vida.

Segundo Gomes (1996), a formação ética do profissional de saúde deve ser iniciada nas disciplinas básicas do estágio pré-clínico com noções gerais de ética, um curso teórico e substantivo de introdução à Bioética, a ética aplicada ao ambiente do ensino e relativa ao respeito ao cadáver, aos mestres, animais de experiência e até à postura acadêmica. A razão da implantação da ética profissional de saúde está ligada à necessidade de formar uma consciência ética de relação ou imprimir, na personalidade do educando, um forte acento de respeito incondicional aos direitos fundamentais e também oferecer ao profissional de saúde a postura ética aprendida e estimulada, saudável e proveitosa na relação com o paciente, outros profissionais e a sociedade em geral.

Os profissionais da área de saúde devem conciliar, no seu exercício profissional, além da ciência e tecnologia, um sólido embasamento ético-moral. Um profissional competente é aquele que reúne qualificação científica, tecnológica e ética, ciente de que, frente a um dilema difícil, deve solicitar auxílio ao Comitê de Ética (FRANCISCONI, GOLDIM e LOPES, 2002).

No Brasil, apesar de a Bioética ter sido, de certa forma, "tardia" por ter florescido apenas nos anos noventa, ela cresceu significativamente conquistando admiração e respeitabilidade internacional. Diversas universidades brasileiras já iniciaram programas de pós-graduação lato sensu em bioética; além disso, os currículos de formação de futuros profissionais de campo relacionados às ciências da vida e da saúde estão procurando ir além da deontologia (ramo da ética que trata dos deveres), da medicina legal e da ética profissional, passando a contemplar, nas grades curriculares, conteúdos relacionados à bioética (GARRAFA e PESSINI, 2003).

O estudo de novas temáticas e discussões com o surgimento da Ética Prática ou Bioética propicia ao aluno o desenvolvimento da visão crítica sobre a pluralidade de valores que permeiam as relações em Saúde. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem (CNE/ME/BR) reforçam essa perspectiva ao enfatizar a importância de conhecimentos em ética e bioética para a formação generalista do futuro profissional de Enfermagem (RIBEIRO, 2004).

Voltando o olhar especificamente para a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP / USP), temos que ela foi fundada, em 1953, por Glete de Alcântara - primeira professora de Enfermagem da América Latina com o título de Professor Catedrático de História da Enfermagem e Ética (1963). A Escola teve seu primeiro programa curricular aprovado pela Lei 5.970/1960, quando ainda anexa à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP / USP). Este programa abordava a Ética Geral e a Ética Profissional. O primeiro dizia respeito à "moral teórica" como reflexão filosófica acerca das ações humanas, bem como noções conceituais fundamentais como “os valores, o bem, o direito, o dever, a obrigação e a responsabilidade" (ALCÂNTARA, 1966). O segundo centrava-se no estudo das normas que regiam o exercício da Enfermagem, baseado no "Código de Ética da Associação Brasileira de Enfermagem". Para doutora Glete, a concepção sobre o ensino e o papel da Ética para o curso de Enfermagem ultrapassava o ensino teórico: "Ele está integrado em todas as disciplinas do currículo, mormente nas de enfermagem, porque o estudante aprende Ética, sobretudo, com a vivência dos problemas que ocorrem diariamente e com o exemplo daqueles a quem está relacionado em todas as situações de aprendizagem" (ALCÂNTARA, 1966). Tal visão, do papel fundamental da Ética, perpassou todos os conteúdos disciplinares posteriores, elaborados na história dessa Escola.

Segundo Ribeiro (2004), o quadro atual da área de Ética no ensino de Graduação em Enfermagem na EERP/USP originou-se de uma reformulação das disciplinas, realizada a partir de 1998, que optou pelo desmembramento de História da Enfermagem, Ética Fundamental e Legislação, que se tornaram conteúdos ministrados separadamente, sob os títulos de História da Enfermagem, Fundamentos de Ética, Legislação em Enfermagem. Naquele mesmo ano, foi criada a disciplina de Bioética e foi extinta Antropologia Filosófica, incorporando-se muitos tópicos dessa disciplina em Fundamentos de Ética. Tal reformulação resultou em uma nova perspectiva para a formação ética do aluno, que passou a dispor de disciplinas voltadas para a ética filosófica, a ética normativa e a ética prática, ministradas nessa ordem, para que o aluno desenvolvesse um grau de compreensão e de maturidade necessárias para cada discussão durante o curso de graduação.

Simino e Boemer (2004) realizaram um estudo onde verificaram que a enfermagem possui periódicos de grande contribuição para o estímulo e divulgação de sua produção científica; no entanto, não existe um periódico que aborde, especificamente, temas bioéticos. Os artigos analisados nesse estudo totalizaram 27. Destes, 48,15% (13 artigos) enfocavam: o código de ética dos enfermeiros e a tomada de decisões éticas, o cuidado ao idoso segundo a perspectiva do profissional enfermeiro, a anotação de enfermagem, a comunicação entre os profissionais e o paciente, a autonomia do paciente e do enfermeiro e a relação entre os enfermeiros e outros profissionais. Sete artigos (26,92%) abordavam a organização da assistência ao paciente no que tange a regimentos que controlam pesquisas com seres humanos e sua importância, a tecnologia versus humanização no modelo assistencial vigente, o papel do enfermeiro frente a esses dilemas e princípios da autonomia e beneficência na humanização da assistência e dependência dos pacientes. Dois artigos  (7,41%) tratavam da estagnação da Bioética no modelo principialista, surgimento da corrente feminista e a Bioética refletida nas tecnologias reprodutivas. Outro dado encontrado foi que 75,51% dos autores desses artigos são enfermeiros docentes (doutores/doutorandos).

O levantamento e a revisão dos artigos realizados pelas autoras expressam o quanto é oportuna a afirmação de Lenoir (1996), ao dizer que o ensino da bioética aos profissionais de saúde deve ser provido de um caráter preciso e não limitar-se à reflexão geral de princípios. Considerando que a Bioética trata de questões altamente relevantes para os profissionais de Enfermagem, sendo a apropriação de seus conteúdos primordial em sua formação, ela não pode, de fato, restringir-se a princípios gerais.

Refletindo a respeito da formação no Curso de graduação em Enfermagem observamos que há hesitação, por parte dos graduandos, em lidar com situações que envolvam questões de natureza bioética por sentirem-se despreparados. Consideramos que o investimento acadêmico tem sido ainda muito pequeno e incipiente, sem grandes possibilidades para reflexão. Cremos que uma carga horária de 30 horas destinada à disciplina de Bioética seja pequena, para formar, nos alunos, uma consciência ética para lidar com os muitos dilemas bioéticos.

Algumas questões inerentes à profissão nos inquietam muito: Será que os graduandos de Enfermagem que estão cursando suas faculdades estão sendo bem preparados para lidar, na prática, com dilemas bioéticos? Será que estão desenvolvendo uma consciência a respeito do assunto ou, como disse Lenoir, estão refletindo apenas sobre princípios? Como a Bioética está se mostrando aos graduandos?

Participando do III Congresso Brasileiro de Tanatologia e Bioética, realizado em São Paulo/SP, em abril de 2005, foi possível ter uma visão mais ampla de como a Bioética está presente em nosso meio, de como ela se apresenta em nosso cotidiano. Esses dilemas se nos apresentam a toda hora, no exercício de nossa profissão.

Assim sendo, vemos a necessidade de nos debruçarmos sobre esta questão, realizando estudos com vistas a identificar qual o preparo que os graduandos de Enfermagem estão tendo em seus cursos para lidar, na prática, com dilemas bioéticos.

Tais estudos deverão voltar-se inclusive para a averiguação de uma integração da Bioética com as demais disciplinas curriculares, conforme já recomendava Alcântara (1966). Acreditamos que estudos dessa natureza possam ser realizados nas diferentes regiões do país, por diferentes pesquisadores de forma a podermos ter um diagnóstico da inserção da Bioética nos cursos de Graduação em Enfermagem.

Nesse sentido, o ensaio permitiu explicitar alguns questionamentos e propor novos estudos que possam identificar e analisar a inserção da Bioética nos cursos de graduação em Enfermagem. Muito embora um ensaio não se proponha a conclusões, o estudo possibilitou às autoras a gênese de questionamentos, reflexões e ponderações sobre a inserção da Bioética nos cursos de graduação em Enfermagem, abrindo possibilidades de investigações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALCÂNTARA, G. In: RIBEIRO, C. R. O. A contribuição da área de Filosofia, Ética e Bioética na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto– USP, 1966. on-line. Brazilian Journal of Nursing (objn-issn 1676-4285) [on-line], dezembro 2004.

BARCHIFONTAINE, C. P.; PESSINI, L. Problemas atuais de bioética. 2º ed. Brasil: Loyola, p. 367, 1994.

CAMPBELL, A. In: A Bioética no século XXI. Coleção saúde, cidadania e bioética, editora Universidade de Brasília, Brasília, 2000.

CLOTET, J. Por que bioética? Revista Bioética, v.1, n.1, p. 14-9, 1993.

FRANCISCONI, C. F., GOLDIM, J. R., LOPES, M. H. I. O papel dos Comitês de Bioética na humanização da assistência à saúde. Revista Bioética, v. 10, n. 2, p. 147-157, 2002.

GARRAFA, V.; PESSINI, L. Bioética: Poder e Injustiça. Editora Loyola, Brasília, p. 522, 2003.

GOMES, J. C. M. O atual Ensino da ética para os profissionais de saúde e seus Reflexos no Cotidiano do Povo Brasileiro. Revista Bioética, v. 4, n. 1, p. 53-64, 1996.

LENOIR, N. Promover o Ensino de Bioética no Mundo. Revista Bioética, v. 4, n. 1, p. 65-70, 1996.

NEVES, M. C. P. A fundamentação antropológica da Bioética. Revista Bioética, v. 4, n. 1, p. 07-16, 1996.

RIBEIRO, C. R. O, A contribuição da área de Filosofia, Ética e Bioética na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP, on-line Brazilian Journal of Nursing (objn-issn 1676-4285) [on-line], dezembro 2004.

SILVA, F. L. Breve Panorama Histórico da Ética. Revista Bioética, Título: Bioética, v. 1, nº. 1, p. 7 – 11, 1993.

SIMINO, G. P. R.; BOEMER, M. R. Enfoque Bioético na produção científica dos enfermeiros – caracterização e análise. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 57, n. 1, p. 40-3, 2004.

Texto recebido em 01/12/2005.
Publicação aprovada em 31/12/2005

1Trabalho desenvolvido durante o Programa de Iniciação Científica – PIBIC, 2005, sob orientação da segunda autora.

²Aluna do 3º ano do Curso de Graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP), 2005. Rua Benjamin Constant, 49, Centro – Jardinópolis/SP, CEP 14680-000, joicezanatta@yahoo.com.br

³Professora Livre-docente aposentada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Coordenadora de projeto de pesquisa – CNPq. Rua Bernardino de Campos nº30 ap 1001 Centro - Ribeirão Preto, SP, CEP: 14015 – 130, boemer@eerp.usp.br

BIOÉTICA E ENFERMAGEM

Cássia Regina Rodrigues NunesI; Amauri Porto NunesII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem Fundamental. Especialista em Bioética e Enfermagem Médico-Cirurgica. Docente da Faculdade de Medicina de Marília, disciplina de Ética e Bioética e Enfermagem Clínica.
IIEnfermeira. Mestre em Cirurgia. Especialista em Bioética e Cirurgia Vascular. Docente da Faculdade de Medicina de Marília. E-mail do autor: enfermag@famema.br

1 Introdução

A bioética surgiu na década de 70 como um novo campo de conhecimento, onde o interesse era de resgatar as ciências humanas, na área das ciências duras: matemática, física, química, principalmente nas ciências biológicas e na medicina. Isso se deu após um período de pensamento crítico em relação ao do capitalismo inconseqüente, que gerou grandes males à civilização, no sentido de fortalecimento de valores individualistas, no sentimento de posse e poder.

Historicamente, sabemos que a aventura do conhecimento na civilização ocidental é estabelecida pela maioria dos pensadores como tendo sua origem na Grécia antiga, com o aparecimento dos primeiros pensadores. Foi lá que pela primeira vez houve uma tentativa de sistematização do conhecimento para se explicar o mundo.

Após um período de obscuridade, durante a idade média, houve o surgimento do desejo de explicação racional do mundo. Até então, não havia distinção entre ciência, filosofia e arte, pode-se dizer que eram praticamente sinônimos, englobados pela filosofia.

Por volta do século XIX, a nova ciência empírica que nascera dentro da filosofia, adquiriu maioridade e buscou sua independência das ciências humanas. Um movimento filosófico, chamado positivismo, tomou força e fortaleceu a supremacia das ciências empíricas sobre as metafísicas, das quais faziam parte principalmente as ciências que hoje conhecemos como ciências humanas ou humanidades.

Nesse período criou-se uma dicotomia entre ciência e as ciências humanas, que posteriormente viria a solidificar-se em ciência verdadeira. As únicas disciplinas que poderiam ostentar o título de ciência seriam aquelas que partilhassem do método científico, ou seja, passíveis de comprovação empírica, pensamento esse que representa o cerne do positivismo.

Naquele momento havia realmente necessidade da afirmação das novas ciências nascentes, para que essas se libertassem das amarras impostas pela religião e pela própria metafísica. Esse processo de divórcio entre as ciências empíricas e a filosofia, representou uma forma de busca de legitimidade e auto-afirmação das ciências empíricas. Porém, essa separação e podemos dizer até esse antagonismo, entre o saber empírico e o saber reflexivo trouxe também conseqüências maléficas para ambos.

No momento em que as ciências empíricas se distanciaram das ciências humanas, perderam a capacidade de percepção e auto-reflexão sobre si mesmas, perderam a capacidade de auto-crítica e principalmente a possibilidade de gerar sentido em suas atividades.

Em 1970 o oncologista americano Van Rensselaer Potter cunhou o neologismo Bioética para expressar uma nova ciência que deveria ser o elo de re-ligação entre as ciências empíricas e as ciências humanas, mais especificamente a ética. Essa união teria como finalidade a preservação da vida no planeta, visto que o desenvolvimento científico sem sabedoria poderia por em risco a própria vida na terra.

2 Abrangência

A noção de bioética tem sofrido várias mutações nesses últimos anos, mas nos parece que, a mais interessante e frutífera continua sendo a original proposta de Potter(1). Ele primeiramente sugeriu uma Bioética ponte, com a intenção de unir ciência e filosofia para promover a sobrevivência. Mais tarde, esta evolui para a bioética global, visto a necessidade de fusão da ética biomédica com a ecologia, numa escala mais ampla, com a mesma finalidade, trazendo à discussão questões de saúde pública a nível mundial. Sua missão continua sendo o desenvolvimento da ética para a sobrevivência humana sustentável em longo prazo. Posteriormente, sugere a bioética profunda devido à necessidade de ampliar mais a discussão da bioética, pois a ciência é demasiadamente importante para estar nas mãos somente dos cientistas. A bioética profunda faz nexo entre as descobertas genéticas, conduta ética e a bioética global. A pergunta que Potter fez e que devemos fazer é: Que tipo de futuro teremos? Teremos alguma opção? Que futuro teríamos frente a um progresso e avanços materialistas próprios da ciência e da tecnologia? A resposta estaria no conceito filosófico de progresso que põe ênfase na sabedoria de grande alcance.

A ciência sempre nos colocou todas as possibilidades de descobertas e tornou-se inquestionável o valor da evolução tecnológica, porém hoje se pergunta: tudo o que posso fazer eu devo fazer?

A tese era de que havia sinais de que a sobrevivência de grande alcance da espécie humana, em uma civilização sustentável, requereria o desenvolvimento e manutenção de um sistema ético(1).

A ética se dedica ao estudo do comportamento na busca de uma melhor maneira de agir. Quando falamos será que devo fazer isso ou aquilo, quando faço escolhas baseio-me apenas em minhas experiências de vida. Mas o agir ético vai além de um agir intuitivo ou baseado em experiências prévias de vida. Além das experiências vividas, costumes e tradições, a ética propõe que nossas ações sejam guiadas por princípios e, principalmente, por uma reflexão contínua.

Refletir é repensar nossa própria maneira de ser, é pensar sobre as situações da vida, tentando entender as causas que as influenciam e as conseqüências das mesmas, somente a partir de um entendimento mais amplo sobre as situações é que podemos julgar, tomar decisões e agir. Isso é agir criticamente, o que exprime verdadeiramente uma ação consciente. É portanto, desenvolver nossa capacidade de pensar, analisar os fatos da vida, e nos considerarmos sujeitos e não objeto de uma história construída. Não devemos adotar uma postura conformista, pensar que as coisas não podem ser mudadas para melhor, que as coisas acontecem independente de nossa intervenção. Se em todo momento colocarmos uma questão para nós mesmos, se devemos agir assim, e procurarmos respostas entendendo que o que cada um faz não tem conseqüências só para si ou somente para os outros, estaremos modificando nossa história. Tudo o que fazemos tem conseqüências para todos, porque a todo tempo estamos reproduzindo ou construindo valores novos, porque fazemos parte de um todo, como espécie, como humanidade, como natureza.

A nossa maneira de pensar foi completamente influenciada pela nossa história e assim se deu o não acompanhamento da evolução das ciências empíricas conjuntamente ao das ciências humanas reflexivas. Essa incongruência entre conhecimento e sabedoria começou a gerar conflitos na vida cotidiana.

Neste sentido a bioética tem um campo de reflexão bastante amplo, através dos modelos teóricos desenvolvidos que ajudam a pensar sobre as situações da vida ou de conflito, cotidianas, de limite e de fronteira e, também, classificadas como problemas emergentes e persistentes.

Dentre os vários modelos teóricos desenvolvidos citamos: o principialismo, o cantextualismo, o personalista humanista e o feminista. Todos o fazem de maneira profunda e é extremamente importante estudarmos cada um deles, mas podemos dizer que, diante desses modelos que analisam o mundo em que vivemos e como nos relacionamos com ele, vários são os princípios que muitos deles reforçam para que nossa existência possa ser mais pacífica e duradoura. Alguns deles são: a solidariedade, a alteridade e a justiça. Muitos pensadores têm discutido a impossibilidade hoje de se estabelecer princípios universais, diante da diversidade moral e pluralidade de valores existentes. Assim se torna necessário o exercício também da tolerância, do reconhecimento das razões alheias e a importância do diálogo para entrar num consenso, nunca coercitivo, mas com alguns requisitos para se chegar a um entendimento. Perguntamos, é uma missão fácil? Colocar-se no lugar do outro, compreendê-lo, desfazer-se do egoísmo, da competitividade ingênua ou manipulada, da busca do controle, da dominação, do poder, do acúmulo de riquezas, da exploração, da competitividade, tudo isso não é fácil e não mudamos por mudar. É por isso que precisamos entender que temos boas razões para isso.

3 Conclusão

Existe hoje um grande número de produções nessa área que ajudam a nortear nossa ação enquanto cidadãos, que buscam qualidade de vida e a preservação da vida no planeta. Ampliar nosso conhecimento nesse sentido é buscar evoluir num posicionamento crítico, isto é, preocupar-se com o modo de ser: pensamento-julgamento-ação, em relação aos seres humanos entre si e com a natureza.

A bioética portanto, coloca-se na contínua busca da sabedoria, da crítica, do uso da informação e do conhecimento para melhorar as condições de vida e preservação da mesma. É poder combinar humildade, responsabilidade e racionalidade, voltados tanto para o bem estar do indivíduo, quanto da coletividade.

Para finalizar, colocamos o pensamento de Mill(2) em relação à preservação da individualidade na busca desse bem estar, que está intrinsecamente ligado ao ser e conviver em sociedade: Liberdade consiste em ser inteiramente si próprio, fazer o próprio bem do seu próprio jeito, sem privar o outro do bem deles.

Referências

1. Potter VR. Bioethics:Bridge to the future. Englewood Cliffs (NJ); Prentice-Hall Inc; 1971.         [ Links ]

2. Mill JS. Da Individualidade, como um dos elementos do Bem Estar. In: Da Liberdade. São Paulo: Ibrasa; 1963.         [ Links ]