quinta-feira, 23 de julho de 2009

A MALDIÇÃO DO FARAÓ

Paulo Volker

 

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Enquanto as poderosas autoridades internacionais gastam a tecnologia bélica para eliminar supostos terroristas nas favelas cavernosas do Afeganistão, definindo o terrorismo como a praga desse novo milênio; enquanto as redes de Tv brasileiras fazem do voyeurismo a mais nova mania nacional; enquanto os ardilosos marqueteiros políticos tramam um modo de manter tudo como sempre foi no governo; enquanto a polícia ensaia um balé de truculência e representação cinematográfica contra a violência e a bandidagem, colocando tecnologias bélicas e digitais contra os prováveis meliantes escondidos nas favelas, uma nuvem verdadeiramente espetacular recorrentemente insiste em atacar o Brasil.

Essa nuvem negra, que já atinge um terço da humanidade, quase dois bilhões de pessoas, é formada por um ínfimo e desprezível indivíduo chamado Aedes aegypti. Natural lá dos confins ancestrais do Nilo, o mosquito vem derrubar a idéia Hollywoodiana de que a “Maldição do Faraó” vem em forma de múmias terríveis, vestidas de areias escaldantes, comandando um exército infinito de escaravelhos.

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Tudo bobagem. A maldição, para todos nós, que violamos o segredo das pirâmides, seja roubando pedaços da cultura egípcia, seja levando ataúdes para os museus, seja através das câmeras da National Geográfica, se faz presente no pratinho que recebe a água que escorre das nossas lindas margaridas ou na poça de água acumulada naquele velho pneu que guardamos no fundo do quintal.

O Faraó não poderia ter sido mais inteligente na sua maldição. Enquanto todas as fronteiras se protegiam das múmias e outros monstros terríveis, capazes de fazerem jus a toda tecnologia destrutiva de mísseis, bombas e balas de fragmentação, a sabedoria milenar dos egípcios nos manda um reles mosquito, fantasiado de pernilongo, caracterizado pelo capricho tebano de só gostar de água limpa.

Desta forma, encontra o mosquito, nas cidades desses mundos abaixo do segundo andar na escala civilizatória, campo fértil para proliferar e promover dores e febres, fazendo com que todos repitam e digam “Egito” novamente. Desta forma, enquanto o primeiro e o segundo mundo montam o teatro da sua sana prepotente, destruindo o já destruído, o terceiro, quarto e quinto mundos, sob a égide do “Aedes aegypti”, tremem com a doença.

Mesmo que os centros especializados de estudo e pesquisas, como o conceituado CDC do Departamento de Saúde dos EUA e outros centros brasileiros façam uma história já longa da Dengue, não podemos deixar de reconhecer a gravidade do sempre acontece nas cidades brasileiras.

O primeiro caso relatado, na ilha de Java, em 1779 e o de 1782 em Cuba devem indicar apenas um momento de maior apuração científica para a presença de um mosquito que existe há muito tempo.

A presença do mosquito no Brasil, em 1846 só anunciava a epidemia que iria acontecer em 1986 no Rio, que era uma preliminar da de 2002, que vem sendo apenas uma prévia do vem recorrentemente acontecendo nas cidades brasileiras, onde o sistema de vigilância epidemiológica é precário. Uma presença que anuncia muitas coisas e denuncia outras tantas.

Anuncia que o problema urbano brasileiro e mundial será desmoronado por seres insignificantes, como mosquitos, ratos e baratas, entre outros (talvez muito mais insignificantes do que imaginávamos, com essa pandemia de gripe); denunciam que nossas cidades e nossas casas são freqüentadas também por esses indivíduos que, talvez, sejam muito mais adaptados e domésticos do que possamos imaginar.

E nessa convivência íntima com esses indivíduos, representantes de várias nacionalidades, com idades que se perdem no tempo, somos nós, os humanos, os mais frágeis, inadaptados e sofredores.

O Aedes aegypti, por exemplo, quando nos visita de noite, nos deixa sete dias à beira da morte. Mas nosso inseticida e nossos larvicidas não conseguem acabar com a presença ostensiva desse súdito do Faraó.

Um fato, em meio de tantas desgraças, é relevante. A “Maldição do Faraó” não faz distinção de classes sociais. Com essa mania tebana de limpeza, o mosquito encontra berço em piscinas, banheiras de hidromassagem e jarras de cristal, dessas usadas para tornar a Don Perigon deliciosa – tudo usado no fim de semana e deixado depois ao leu.