quinta-feira, 23 de julho de 2009

BIOÉTICA E ENFERMAGEM

Cássia Regina Rodrigues NunesI; Amauri Porto NunesII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem Fundamental. Especialista em Bioética e Enfermagem Médico-Cirurgica. Docente da Faculdade de Medicina de Marília, disciplina de Ética e Bioética e Enfermagem Clínica.
IIEnfermeira. Mestre em Cirurgia. Especialista em Bioética e Cirurgia Vascular. Docente da Faculdade de Medicina de Marília. E-mail do autor: enfermag@famema.br

1 Introdução

A bioética surgiu na década de 70 como um novo campo de conhecimento, onde o interesse era de resgatar as ciências humanas, na área das ciências duras: matemática, física, química, principalmente nas ciências biológicas e na medicina. Isso se deu após um período de pensamento crítico em relação ao do capitalismo inconseqüente, que gerou grandes males à civilização, no sentido de fortalecimento de valores individualistas, no sentimento de posse e poder.

Historicamente, sabemos que a aventura do conhecimento na civilização ocidental é estabelecida pela maioria dos pensadores como tendo sua origem na Grécia antiga, com o aparecimento dos primeiros pensadores. Foi lá que pela primeira vez houve uma tentativa de sistematização do conhecimento para se explicar o mundo.

Após um período de obscuridade, durante a idade média, houve o surgimento do desejo de explicação racional do mundo. Até então, não havia distinção entre ciência, filosofia e arte, pode-se dizer que eram praticamente sinônimos, englobados pela filosofia.

Por volta do século XIX, a nova ciência empírica que nascera dentro da filosofia, adquiriu maioridade e buscou sua independência das ciências humanas. Um movimento filosófico, chamado positivismo, tomou força e fortaleceu a supremacia das ciências empíricas sobre as metafísicas, das quais faziam parte principalmente as ciências que hoje conhecemos como ciências humanas ou humanidades.

Nesse período criou-se uma dicotomia entre ciência e as ciências humanas, que posteriormente viria a solidificar-se em ciência verdadeira. As únicas disciplinas que poderiam ostentar o título de ciência seriam aquelas que partilhassem do método científico, ou seja, passíveis de comprovação empírica, pensamento esse que representa o cerne do positivismo.

Naquele momento havia realmente necessidade da afirmação das novas ciências nascentes, para que essas se libertassem das amarras impostas pela religião e pela própria metafísica. Esse processo de divórcio entre as ciências empíricas e a filosofia, representou uma forma de busca de legitimidade e auto-afirmação das ciências empíricas. Porém, essa separação e podemos dizer até esse antagonismo, entre o saber empírico e o saber reflexivo trouxe também conseqüências maléficas para ambos.

No momento em que as ciências empíricas se distanciaram das ciências humanas, perderam a capacidade de percepção e auto-reflexão sobre si mesmas, perderam a capacidade de auto-crítica e principalmente a possibilidade de gerar sentido em suas atividades.

Em 1970 o oncologista americano Van Rensselaer Potter cunhou o neologismo Bioética para expressar uma nova ciência que deveria ser o elo de re-ligação entre as ciências empíricas e as ciências humanas, mais especificamente a ética. Essa união teria como finalidade a preservação da vida no planeta, visto que o desenvolvimento científico sem sabedoria poderia por em risco a própria vida na terra.

2 Abrangência

A noção de bioética tem sofrido várias mutações nesses últimos anos, mas nos parece que, a mais interessante e frutífera continua sendo a original proposta de Potter(1). Ele primeiramente sugeriu uma Bioética ponte, com a intenção de unir ciência e filosofia para promover a sobrevivência. Mais tarde, esta evolui para a bioética global, visto a necessidade de fusão da ética biomédica com a ecologia, numa escala mais ampla, com a mesma finalidade, trazendo à discussão questões de saúde pública a nível mundial. Sua missão continua sendo o desenvolvimento da ética para a sobrevivência humana sustentável em longo prazo. Posteriormente, sugere a bioética profunda devido à necessidade de ampliar mais a discussão da bioética, pois a ciência é demasiadamente importante para estar nas mãos somente dos cientistas. A bioética profunda faz nexo entre as descobertas genéticas, conduta ética e a bioética global. A pergunta que Potter fez e que devemos fazer é: Que tipo de futuro teremos? Teremos alguma opção? Que futuro teríamos frente a um progresso e avanços materialistas próprios da ciência e da tecnologia? A resposta estaria no conceito filosófico de progresso que põe ênfase na sabedoria de grande alcance.

A ciência sempre nos colocou todas as possibilidades de descobertas e tornou-se inquestionável o valor da evolução tecnológica, porém hoje se pergunta: tudo o que posso fazer eu devo fazer?

A tese era de que havia sinais de que a sobrevivência de grande alcance da espécie humana, em uma civilização sustentável, requereria o desenvolvimento e manutenção de um sistema ético(1).

A ética se dedica ao estudo do comportamento na busca de uma melhor maneira de agir. Quando falamos será que devo fazer isso ou aquilo, quando faço escolhas baseio-me apenas em minhas experiências de vida. Mas o agir ético vai além de um agir intuitivo ou baseado em experiências prévias de vida. Além das experiências vividas, costumes e tradições, a ética propõe que nossas ações sejam guiadas por princípios e, principalmente, por uma reflexão contínua.

Refletir é repensar nossa própria maneira de ser, é pensar sobre as situações da vida, tentando entender as causas que as influenciam e as conseqüências das mesmas, somente a partir de um entendimento mais amplo sobre as situações é que podemos julgar, tomar decisões e agir. Isso é agir criticamente, o que exprime verdadeiramente uma ação consciente. É portanto, desenvolver nossa capacidade de pensar, analisar os fatos da vida, e nos considerarmos sujeitos e não objeto de uma história construída. Não devemos adotar uma postura conformista, pensar que as coisas não podem ser mudadas para melhor, que as coisas acontecem independente de nossa intervenção. Se em todo momento colocarmos uma questão para nós mesmos, se devemos agir assim, e procurarmos respostas entendendo que o que cada um faz não tem conseqüências só para si ou somente para os outros, estaremos modificando nossa história. Tudo o que fazemos tem conseqüências para todos, porque a todo tempo estamos reproduzindo ou construindo valores novos, porque fazemos parte de um todo, como espécie, como humanidade, como natureza.

A nossa maneira de pensar foi completamente influenciada pela nossa história e assim se deu o não acompanhamento da evolução das ciências empíricas conjuntamente ao das ciências humanas reflexivas. Essa incongruência entre conhecimento e sabedoria começou a gerar conflitos na vida cotidiana.

Neste sentido a bioética tem um campo de reflexão bastante amplo, através dos modelos teóricos desenvolvidos que ajudam a pensar sobre as situações da vida ou de conflito, cotidianas, de limite e de fronteira e, também, classificadas como problemas emergentes e persistentes.

Dentre os vários modelos teóricos desenvolvidos citamos: o principialismo, o cantextualismo, o personalista humanista e o feminista. Todos o fazem de maneira profunda e é extremamente importante estudarmos cada um deles, mas podemos dizer que, diante desses modelos que analisam o mundo em que vivemos e como nos relacionamos com ele, vários são os princípios que muitos deles reforçam para que nossa existência possa ser mais pacífica e duradoura. Alguns deles são: a solidariedade, a alteridade e a justiça. Muitos pensadores têm discutido a impossibilidade hoje de se estabelecer princípios universais, diante da diversidade moral e pluralidade de valores existentes. Assim se torna necessário o exercício também da tolerância, do reconhecimento das razões alheias e a importância do diálogo para entrar num consenso, nunca coercitivo, mas com alguns requisitos para se chegar a um entendimento. Perguntamos, é uma missão fácil? Colocar-se no lugar do outro, compreendê-lo, desfazer-se do egoísmo, da competitividade ingênua ou manipulada, da busca do controle, da dominação, do poder, do acúmulo de riquezas, da exploração, da competitividade, tudo isso não é fácil e não mudamos por mudar. É por isso que precisamos entender que temos boas razões para isso.

3 Conclusão

Existe hoje um grande número de produções nessa área que ajudam a nortear nossa ação enquanto cidadãos, que buscam qualidade de vida e a preservação da vida no planeta. Ampliar nosso conhecimento nesse sentido é buscar evoluir num posicionamento crítico, isto é, preocupar-se com o modo de ser: pensamento-julgamento-ação, em relação aos seres humanos entre si e com a natureza.

A bioética portanto, coloca-se na contínua busca da sabedoria, da crítica, do uso da informação e do conhecimento para melhorar as condições de vida e preservação da mesma. É poder combinar humildade, responsabilidade e racionalidade, voltados tanto para o bem estar do indivíduo, quanto da coletividade.

Para finalizar, colocamos o pensamento de Mill(2) em relação à preservação da individualidade na busca desse bem estar, que está intrinsecamente ligado ao ser e conviver em sociedade: Liberdade consiste em ser inteiramente si próprio, fazer o próprio bem do seu próprio jeito, sem privar o outro do bem deles.

Referências

1. Potter VR. Bioethics:Bridge to the future. Englewood Cliffs (NJ); Prentice-Hall Inc; 1971.         [ Links ]

2. Mill JS. Da Individualidade, como um dos elementos do Bem Estar. In: Da Liberdade. São Paulo: Ibrasa; 1963.         [ Links ]